Páginas

quarta-feira, 11 de março de 2020

A CORJA


A quebra do Moral das tropas portugueses em África, como ocorreu e eu a vivi no terreno.



Moçambique é para sempre, na minha memória, o paraíso maravilhoso que o português ali construiu, feito de felizes viveres, a brancos e pretos, amarelos e indianos, mistos e outros, em cidades maravilha onde viviam sociedades multi étnicas em paz e felicidade como Lourenço Marques, Beira, Quelimane, etc.. e as suas ilhas feitas de sonhos tropicais.

Apresentei-me no Batalhão de Paraquedistas 31, BCP 31, na Beira em Fev74, já com 3 anos de guerra de Angola; levava comigo de Portugal a informação das reuniões dos capitães preliminares do 25Abr74, em que tinha tomado parte, vestido eu de políticas inocências, purezas e outras madurezas enfim, singelezas de mim.

O Comandante do 31 era um senhor peculiar em zangas permanentes com o seu ego e a vida, no acto da minha apresentação perguntou-me:-

“Vem por imposição ou voluntário?”, “Voluntário” digo eu, responde ele “Talvez se arrependa”, pensei “Estou feito...”, mas enfim, ossos do ofício, o oposto de Angola, onde reinava a absoluta normalidade na cadeia de comando.

Passei a informação sobre o movimento dos capitães e fui cumprir uma curta missão a Lourenço Marques, monitorar um curso de queda livre para civis em aviões FAP,, e depois regressei.

Nomeado Comandante da 1ª CCP, em substituição do meu impagável amigo Capitão Monteiro, avancei com a Companhia para Vila Paiva de Andrade, na Gorongosa.

O 25Abr74 apanhou-me ali, o Administrador de Posto trouxe tal notícia ás 5 da tarde, tinha um ar fúnebre... e fúnebres ficaram o Comandante do Batalhão do Exército e seus oficiais, que eu ali reforçava, estranhei tal nos meus 26 anos, virgens de políticas.

Reuni a Companhia para informação, informei e terminei com a afirmação da minha profunda e gongórica ignorância política: -

“Agora, com o General Spínola á frente dos destinos do País, vamos fazer a guerra a sério, e vamos acabar com isto, rapidamente.”

Constava-se que o dito cujo General, mais tarde Marechal, era um grande Cabo de Guerra, mas era sobretudo teatro e teatral e nada mais afinal!

Dia 30 de Abril, a minha companhia saiu para operações, foi emboscada, sofremos um morto, o infeliz e inesquecível Furriel A. Silva, e um ferido grave; era a guerra e a sua lógica de fatalidades; continuámos com a actividade operacional normal.

Entretanto, de Portugal iam chegando notícias do 25Abr, vagas, dispersas.

Um dia os meus alferes e sargentos, urgentes, solicitaram uma reunião comigo e o Alferes Ledo, afoito transmontano, perguntou-me: -

“Meu Capitão, ouvimos na rádio que vai haver contactos e conversações com a FRELIMO com vista á Independência, assim sendo, a partir de hoje, o Senhor explique-nos quais as razões Pátrias, para morrerem mais paraquedistas na guerra, como aconteceu ao Furriel Silva?”

Triste e crítico, foi dos piores momentos da guerra para mim, de repente e de chofre, sou colocado perante a destruição irreversível do MORAL das tropas portuguesas, quinze dias pós Abril74.

A vontade de combater e morrer em defesa de Portugal, tinha acabado de ser assassinada na alma de todos os militares, paraquedistas ou não, e foi.

Nesses momentos, não há retórica que valha contra os factos e eu disse apenas: -

“Esta Companhia vai continuar a cumprir todas as ordens e missões que recebermos via hierarquia, independentemente de tudo; quando recebermos ordens para terminar a actividade operacional, fá-lo-emos, até lá cumprimos, entendido?!”

Entendido e cumprido religiosamente até â Independência, data em que fui para Angola, voluntariamente.

Mas, a quebra do Moral das tropas espalhou-se Moçambique fora e em Omar, Cabora Bassa, etc… onde militares do Exército, ora entregavam as armas à Frelimo, mal estes apareciam, ora se entregavam a eles próprios.

O caso em Moçambique, duma companhia do Exército sediada no Norte, em Omar, foi o mais brutal, o mais cobarde e traidor de todos os conhecidos.

Em tal caso, 120 militares portugueses pediram à Frelimo por telefone, para virem ao seu quartel para se renderem eles e as armas… a Frelimo veio e prendeu-os a todos, levaram-nos para a Tanzânia, Dar-es-Salam, onde andaram a ser exibidos nas ruas como animais de circo… como derrota de Portugal e a vitória da Frelimo... foram libertados em meados de Setembro.

Foi um incidente pré planeado pelo PCP e afins mais o MFA, e executado por militares infiltrados naquela companhia com tal propósito, para forçarem a entrega de Moçambique sem pré-condições.

Está aí o relato: -

2 de Agosto de 1974, Tanzânia, Dar-es-Salam, Hotel Kilimanjaro, quarto 602

Neste local decorreu uma reunião, clandestina e ilegal, em que esteve presente um grupo de militares portugueses constituído pelo Major Melo Antunes e mais uns poucos elementos do MFA, sem qualquer delegação, autorização e até sem conhecimento do Governo Português ou do Presidente da República; representavam apenas o MFA.

Foi este grupo clandestino de militares do MFA, que estabeleceu os termos irreversíveis do posterior acordo de Lusaca para a independência de Moçambique, contra aquilo que o Presidente da República tinha determinado, e colocou Portugal perante um facto consumado sem saída e, fê-lo intencionalmente.

A reunião começou com Samora Machel a dizer: -

“E agora oiçam esta gravação…”

Samora sabia que aquilo que se ia ouvir ia forçaria os termos do acordo de Lusaca em 07 Set 75.

No gravador começa a rodar a cassete, e ouvem-se vozes, vozes em português.

Vozes que se identificam como sendo de militares portugueses, colocados numa base situada no norte de Moçambique, junto à fronteira com a Tanzânia, a Base do Exército em Omar.

À medida que a cassete avança o constrangimento entre os MFA´s que representaram ilegalmente Portugal cresceu:

Frelimo: - “Vocês quem são? (Veio a identificação.)

–E querem entregar-se porquê?

Militares de Omar: - Porque é hoje o dia! Porque vocês são os libertadores da nossa Pátria! Queremos entregar-vos as nossas armas!

Os vivas à Frelimo repetem-se!”

O comandante Almeida e Costa, presente nesta reunião, recordou que Melo Antunes se levantou e desabafou :-

"Merda, assim não se pode fazer nada”.

Foi teatro, ele sabia de tudo, foi por isso que lá foi clandestinamente, o caso de Omar serviu apenas para justificar em Portugal as cedências à URSS / Frelimo e para isso o planearam e executaram: -

Este encontro que começou a 31 de Julho de 1974, em Dar-es-Salam, estava inquinado desde o princípio.

No seu livro, “País sem Rumo”, o General Spínola afirmou que tal encontro decorreu sem a sua autorização e sem o seu conhecimento, enquanto Presidente de Portugal, dizendo: -

“O Major Melo Antunes, então Ministro sem Pasta, deslocou-se, sem meu conhecimento, a Dar-es-Salam para, à margem de qualquer política concertada com a Presidência da República ou com os Ministros dos Negócios Estrangeiros [Mário Soares] e da Coordenação Interterritorial [Almeida Santos], estabelecer um plano de entrega de Moçambique à Frelimo, plano que viria a concretizar-se numa proposta inicial a que ele desde logo aderiu e que representava a abdicação total perante o inimigo por nós próprios tornado poderoso.”

Na reunião seguinte, essa autorizada pelo Presidente da República, que teve lugar logo em 15 e Agosto, em Dar-es-Salam, Almeida Santos refere que Spínola exigiu que a delegação da Frelimo apresentasse desculpas à delegação portuguesa por aquilo que sucedera em Omar, como condição para se iniciarem conversações.

E aqui temos mais um relato, que confirma a miséria de Omar, este feito por Almeida Santos: -

“Assim fizemos. Mas, com surpresa nossa, Samora Machel começou por pretender desconhecer do que estávamos a falar:”

Samora Machel: - Emboscada de Omar?! Uma companhia aprisionada?!

Por fim fez-se luz no seu espírito:

Samora Machel:- O quê? Aquela “entrega” dos vossos soldados?

E voltando-se para um qualquer assessor da sua delegação: – Traz a cassete…

“Cassete? Íamos de surpresa em surpresa.

Mas a verdade é que a misteriosa cassete veio, foi por nós ouvida, e ouvi-la ficou a constituir uma das maiores humilhações por que terá passado a delegação de um país.

O que nós ouvimos foi o registo sonoro de uma “entrega”, não apenas voluntária, mas insistentemente solicitada.”

Frelimo: - Vocês quem são? (Veio a identificação.)
– E querem entregar-se porquê?

Militares portugueses: - Porque é hoje o dia! Porque vocês são os libertadores da nossa Pátria! Queremos entregar-vos as nossas armas!

Almeida Santos: - Não garanto a exactidão das palavras – cito de memória –, mas asseguro o sentido delas.

Seguiram-se os abraços, o “pega lá a minha arma, meu irmão”, etc., etc.

É claro que não havia lugar a exigência de desculpas. Limitámo-nos a pedir uma cópia da cassete para em Lisboa documentarmos isso mesmo.

Foi, pois, este Major Mello Antunes o 1º responsável do processo descolonizador de Moçambique tal como decorreu, ao arrepio do Governo e do Presidente da Republica General Spínola e exclusivamente pró URSS.

Foram incontáveis os casos de cobardia induzida e humilhação Pátria, indescritíveis, recordo um Pelotão do Exército que içava a bandeira nacional, Fingoé, se não me engano, apareceu a Frelimo, esta exigiu que a bandeira fosse retirada, calcaram-na, rasgaram-na e levaram as armas; reacção dos militares, zero, demissão total.

Várias unidades do Exército, manipuladas por agitadores intestinos politizados, fugiram e abandonaram os aquartelamentos… outros prenderam os comandantes que pretendiam continuar a presença de Portugal com um mínimo de dignidade.

Em 14 anos de guerras nada disto acontecera; foi consequência única, exclusiva e imediata da quebra do Moral e da infiltração nos batalhões do Exército de submarinos treinados do PCP, com estas instruções de rendição.

Os mesmos heróis revolucionários que, como o Major Melo Antunes, premeditadamente tinham colocado as intenções de descolonizar nos média, e que, consequentemente, provocaram a quebra total do Moral das tropas, usaram depois esses casos como o de Omar e outros por eles provocados e até dirigidos, para alegarem que o Exército Português estava derrotado e destroçado, sem vontade de combater e justificaram assim a urgência da descolonização, que foi uma mera fuga, ordenada pela URSS, via seus acólitos políticos em Portugal e não só.

Tudo foi cientificamente planeado e executado; 500 anos de História e o sacrifício e trabalho de milhões de gerações de portugueses, foram-se nos ventos da revolução, num ano e meio.

O descolonizador chefe foi de facto o Major Mello Antunes, apoiado pelo MFA e com a autoridade e a força de ser o testa de ferro do PCP dentro do MFA, era tido como pessoa culta e inteligente... mais tarde disse da descolonização :-

“Foi a descolonização possível… a melhor possível “

Hipocritamente tinha sido ele que, politica e militarmente, dirigido pelo PCP, mais fez para criar as condições para que assim fosse.

Mas culpabilizou as políticas e as forças armadas, acusando-as de estarem desmoralizadas, derrotadas e como tal, houve que “Descolonizar em força e já!” avaliou-as por si próprio, amedrontado e etilizado lá por Ninda em 70, como eu o vi.

Foi assim o inicio da descolonização que eu vivi, no terreno onde aconteceu.

Como militar, tinha aprendido nos bancos da Academia Militar, que o Homem e o seu Moral, eram as armas fundamentais e a espinha dorsal de qualquer exército e que sem elas, nada feito.

Mas só face às circunstâncias concretas se percebe a dimensão de tal verdade.

José Luiz da Costa Sousa.
Capitão Pára-quedista

Sem comentários: